por Carl Trueman
Os reformadores delinearam diversas marcas de uma verdadeira igreja: a pregação da Palavra, a administração dos sacramentos e, por vezes, disciplina piedosa e culto bíblico. Hoje, porém, eles precisariam adicionar uma outra: o constante pedido de desculpas ao mundo.
Seja um pedido de desculpas pela eleição de Trump, pelo racismo ou por não serem amáveis com a comunidade LGBTQ, cristãos hoje aparentam passar muito do seu tempo se desculpando. Pode-se desculpar alguém que pense que o mundo está indo de mal a pior por causa da igreja e suas falhas, em vez de qualquer coisa que o próprio mundo tenha escolhido fazer. Claro que a igreja, sendo cheia de pessoas ordinárias, por vezes acaba refletindo o comportamento do mundo a seu redor, ainda que ela seja chamada para algo mais elevado. Esse é o caso da igreja em Corinto no primeiro século, quando Paulo foi forçado a chamar atenção dos cristãos de lá por causa do seu facciosismo, sua visão mundana de poder e a tolerância – se não indulgência – da imoralidade sexual entre pessoas do mesmo sexo.
Há momentos em que pedidos de desculpas ao mundo são apropriadas. A Igreja afirma refletir o caráter de Deus e, quando ela não o faz, ela desaponta o mundo. Ela deve mostrar ao mundo uma santidade que convence o mundo de sua rebelião contra Deus e, assim, ajuda a atraí-lo ao arrependimento para com Deus. A igreja não pode dar lições ao mundo sobre o que é bom e verdadeiro, se o que ela está entregando é perverso e falso. Mas o grande problema da igreja não é que ela falhou com o mundo, mas que ela falhou com Deus. É para ele que o arrependimento deve ser expressado. É por isso que Davi, o rei de Israel, o encarregado de representar o piedoso governo de Deus para com seu povo, declara que ele pecou contra Deus e contra Deus somente no Salmos 51. E isso depois de ter tomado a esposa de outro homem e de conspirar para mata-lo. Claramente Davi sabia que havia pecado contra Bate-Seba e Urias. Porém, conhecendo a santidade de Deus e seu status diante dele, foi o seu pecado contra Deus que mexeu com suas emoções. É para Deus que ele dirige sua tristeza e remorso.
Hoje, basta olhar para o twitter cristão para ver grande arrependimento pelos pecados que o mundo considera como prioridade máxima. Encontramos muito arrependimento horizontal direcionado a outros homens e mulheres, mas poucos que são direcionados para o céu. Muitos racistas arrependidos que usam a linguagem “pequei contra ti, contra ti somente” quando pensam na intolerância que suas igrejas tinham no passado. E isso é interessante.
Eu me questiono se essa turbulência de hoje é em parte devido ao fato de que muito desse arrependimento atual ser apenas um “falso despertamento”, seletivo nos pecados proclamados – e seletivo com base naquilo que o mundo pensa ser importante. Isso, penso, é o caminho para fazer com que o mundo nos leve a sério novamente – como se o mundo algum dia tivesse-nos levado a sério, ou mesmo tivesse planos fazê-lo.
Se nos distanciarmos do racismo por um momento e pensarmos em outros pecados sociais, surge um quadro interessante. Vejamos o tráfico sexual, por exemplo. Ouvimos pouco sobre os males desse pecado nos grandes noticiários, ou entre os webcrentes do momento, ou até mesmo de muitos púlpitos em todo o país. E, ainda assim, o tráfico sexual afeta praticamente todos códigos postais dos Estados Unidos, e é uma forma moderna de escravidão, pois transforma seres humanos em objetos comerciais sem dignidade própria. Tráfico sexual também está ligado à indústria pornográfica. Eu estaria mais inclinado a aceitar um filtro de justiça social de várias empresas se elas também exigissem que seus funcionários fornecessem os seus históricos de pesquisa na internet e demitissem qualquer um pego baixando pornografia (ajudando a perpetuar a indústria do tráfico sexual). Claro, que é improvável que isso aconteça. Primeiro, porque neste momento, se posicionar contra o tráfico sexual não carrega o valor cultural de outras causas de justiça social. E segundo (para encarnar meu eu marxista), porque levaria à demissão de tantos funcionários, que custaria a empresa mais do que alguns e-mails reafirmando que eles não são racistas.
A igreja precisa se arrepender. Mas arrependimento que é mais orientado pelo mundo do que por Deus – que não reflete todo conselho de Deus, mas das imediatas prioridades morais do tempo presente – parecem destinados a melhorar nosso status no mundo em vez de nos humilhar diante de um Deus santo. E isso é especialmente verdade quando são exaustivamente executados nas redes sociais. Os Puritanos consideravam que até os nossos melhores arrependimentos estão manchados pelo pecado e que precisamos nos arrepender deles. Quanto mais aqueles projetados para bajular o mundo?
Quando Paulo repreende os coríntios por seu comportamento pecaminoso, ele parece estar menos preocupado com o que o mundo pensa da congregação e mais com o Deus pensa a respeito do seu ato. Há uma lição importante para a igreja em tempos que o arrependimento – pelo menos em algumas questões – não parece ser o que a distingue do mundo mas sim a garantia de um lugar à mesa do mundo.
Carl R. Trueman é professor de estudos bíblicos e religiosos no Grove City College e membro do Ethics and Public Policy Center.
Extraído do site Monergismo.com, leia o original aqui https://rb.gy/k1fuiu